É hábito classificar Nazareth na categoria de compositor popular. Contudo, a análise de sua obra desmente o estabelecido. Qual seria então a causa da insistência?
Será decorrência da popularidade que alcançou? Não o cremos, pois popularidade não implica que o autor tenha sido compositor popular. Bastaria pensar em Schubert. [...] Poder-se-ia pensar no nome das danças: tangos, valsas, polcas, sambas, scottisches, quadrilhas. Mas o que dizer das danças estilizadas de compositores do Barroco? [...] Ou, quem sabe, limitações formais, falta de domínio da técnica de composição, vulgaridade, como em numerosos compositores amadores da época? Mas também neste terreno não se pode localizar uma possível resposta à indagação. Nazareth conhecia seu "métier" e dominava seu instrumento: o piano.
Temos a impressão de que a causa de resistência à classificação de Nazareth como compositor erudito está simplesmente nisto: ele não fez outra coisa senão música brasileira, mais especificamente carioca, em boa parte de sua obra. [...]
Em relação a Nazareth temos a opinião categórica de Darius Milhaud [...]: "É de lamentar que os trabalhos dos compositores brasileiros desde as obras sinfônicas ou de música de câmara, [...] sejam um reflexo das diferentes fases que se sucederam na Europa, de Brahms a Debussy, e que o elemento nacional não seja expresso de uma maneira mais viva e mais original. [...] Seria de desejar que os músicos brasileiros compreendessem a importância dos compositores de tangos, de maxixes, de sambas e de cateretês como Tupinambá ou o genial Nazareth".
Nazareth partiu do substrato popular e do estudo de compositores europeus, sobretudo Chopin. Não pôde viajar à Europa como seus renomados contemporâneos. [...} Nazareth não foi compositor popular. Suas obras são demasiadamente elaboradas. Corrigia-as meticulosamente. Não fazia música para o consumo imediato em bailes, festas, carnaval, boates. Não obstante, o povo, melhor, a alma popular, está presente em suas peças para piano. Diríamos que Nazareth conseguiu captar, em termos de alta criação artística, a essência de certos aspectos da alma popular, apesar do caráter erudito de sua obra. [...]
A obra de Nazareth exerceu notável influência na criação musical de numerosos compositores brasileiros do século XX. Sua música não tem, é certo, a envergadura da de Villa-Lobos. Seu campo expressivo é mais restrito. Dentro de seu âmbito, porém, dificilmente poderá ser superada e boa parte de suas composições têm um lugar definitivo na Música Brasileira. [...] Nazareth e Nepomuceno são verdadeiramente os fundadores da música erudita brasileira.
KIEFER, Bruno. História da música Brasileira. Porto Alegre, Movimento, 1977, p. 118-126