Os nossos ouvintes mais assíduos já tiveram a oportunidade de ter um primeiro contato com a música do Fernando Mattos através deste brilhante CD da Luciane Cardassi. Fernando, natural de Porto Alegre, é compositor, instrumentista, arranjador, musicólogo, professor na UFRGS, e teria se saído um bom etimólogo também: basta assistir uma aula dele para perceber sua enorme paixão pelas palavras e suas histórias. Hoje, concentra-se especialmente em composições tonais e modais, apesar de já ter excursionado pelos campos da música atonal, serial e eletroacústica. A seleção que aqui apresentamos foi gentilmente indicada pelo próprio compositor. Inicia-se com três arranjos, um deles de uma obra de Luiz Cosme, a Oração à Teiniaguá já postada aqui em sua versão original para violino e piano. As Parcas está originalmente no CD "I" do violonista Paulo Inda e as canções trovadorescas em verdade não formam um ciclo, são peças autônomas, as três compostas especialmente para o Conjunto de Câmara de Porto Alegre, grupo do qual Fernando participou ativamente. As gravações ainda incluem um fantástico Concerto Tríplice, para três violões e orquestra, um duo para violão e violoncelo, uma toccata para violão solo, certamente sob a influência daquela em Ré Menor de Prokofiev, para piano, e uma encantadora coletânea de "melodias folclóricas brasileiras de temática animal", para flauta-doce e viola. Vale a pena conferir também o completo canal no youtube e uma entrevista concedida à Rádio da Universidade, disponível aqui. No final do post, há informações complementares sobre as obras. Uma excelente audição!
1 - Oração à Teiniaguá(Luiz Cosme/arr. Fernando Mattos)
Orquestra de Câmara do Theatro São Pedro
Lutero Rodrigues, regente
2 - Choro Torto(Carlos Branco e James Liberato, 1983, adaptação para instrumentos antigos de Fernando Mattos)
Conjunto de Câmara de Porto Alegre
3 - João e Maria(Sivuca & C. Buarque/arr. Fernando Mattos)
Grupo Vocal D'quina pra Lua
4 -As Parcas, canção noturna para violino, violão e violoncelo
Cármelo de los Santos, violino
Paulo Inda, violão
Rodrigo Silveira, cello
5 -Ao Conjunto de Câmara de Porto Alegre (texto de Raul Abott Barbosa, 1997)
6 -O filho doutro no colo(texto de Estêvão da Guarda, 1347)
7 -Dized', amigu', en que vos mereci(texto de D. João Peres de Aboim, trovador de D. Afonso III, 1210-1279)
Conjunto de Câmara de Porto Alegre
Janaína Condessa, instrumentos de sopro - flauta doce
Flávia Domingues Alves, alaúde
Marlene Hofmann Goidanich, voz - percussão
Marina Kleine, rabeca medieval
Christian Benvenuti - dulcimer
Concerto Tríplice
8 - A'wa-sa'i
9 - Y-îara
10 - Mbaeta'ta
Daniel Wolff, violão
Paulo Inda, violão
Thiago Colombo, violão
Orquestra de Câmara da Ulbra
Tiago Flores, maestro
Cordas I
11 - Cordel
12 - Corda d'água
13 - Corda de dança
Rodrigo Silveira, cello
Paulo Inda, violão
14 -Toccata II
Eduardo Castañera, violão
15 -Un'altra ciaccona
Orquestra de Câmara da Ulbra
Tiago Flores, maestro
Primeiro Bestiário Brasileiro
16 - Entrada (Opening)
17 - Galinhame no Quintal (Backyard Chickens) -- melodias folclóricas (folk melodies): Canto Antigo e Olê, Roseira!
18 - O Pastoreio (Pastoring) -- melodias folclóricas (folk melodies): Curral do Boi Canário, Ai, Meu Boi!, Sou eu Quem Amansa o Touro e Levanta-te, Boi!
19 - Olhe a onça! (Care of the Jaguar!) -- melodia folclórica (folk melody): A Onça e os Padres
20 - Cavalhada (The Riding) -- melodias folclóricas (folk melodies): Correnteza e Toada mineira
As Parcas são as três irmãs fiandeiras que determinam o destino humano por meio de um fio que a primeira tece, a segunda desdobra e a terceira corta. Em "As Parcas", a linha da vida aparece como uma melodia que desliza de um registro a outro, enquanto o destino progride através da sucessões de elementos rítmicos e harmônicos até que o fio virtual seja interrompido conforme o desejo das fiandeiras.
Canções Trovadorescas
Estas peças foram escritas como se escrevia na Idade Média, a melodia da voz está totalmente delineada e a parte dos instrumentos são só sugeridas, para que os músicos improvisem. Portanto, podem ser feitas de várias formas e instrumentações diferentes.
Concerto Tríplice
O Concerto Tríplice para 3 Violões e Orquestra foi escrito por Fernando Mattos em 2009. A gravação aqui apresentada é uma apresentação ao vivo da Orquestra de Câmara da ULBRA. O regente é Tiago Flores e os solistas são Daniel Wolff, Paulo Inda e Thiago Colombo. A'wa-sa'i, título do primeiro movimento, é um deus indígena brasileiro que encanta as pessoas e as faz comer e beber muito. Por ser um deus da embriaguez, A'wa-sa'i é um tipo de Dionisio da mitologia indígena do Brasil. Y-îara é uma bela deusa que vive nos rios. Quando a vêem se banhando à margem de um rio, os homens apaixonam-se por ela e se atiram nas águas em busca de seu amor, porém são levados ao fundo, onde são afogados. Y-îara é uma espécie de sereia da mitologia indígena brasileira. Na mitologia indígena brasileira, Mbaeta'ta é uma cobra de fogo que protege as florestas, as plantas e os animais de ações humanas ou das intervenções divinas, como raios e tempestades.
Un'altra Ciaccona
A peça Un’Altra Ciaccona (a Krzysztof Wiernicki) foi escrita para a Orquestra de Câmara da ULBRA, especialmente para a abertura do Festival Contemporâneo-RS de 2007. A música foi concebida como uma continuidade de outra peça para orquestra de cordas, Quasi una Ciaccona, na qual a música termina no momento em que iria ter início um movimento de chacona.
A chacona é um gênero de dança, em compasso ternário e andamento lento, que os colonizadores espanhóis escutaram no Novo Mundo (presumivelmente, entre os Astecas) e levaram à Europa, onde foi cultivada pelos músicos do Período Barroco. Apreciadas pelos italianos, alemães e ingleses da primeira metade do século XVIII, as chaconas de Vivaldi, Bach e Haendel tornaram-se conhecidas nos cinco continentes.
Un’Altra Ciaccona começa com uma linha de baixo dodecafônica, com o ritmo característico de chacona. Esse tema é inicialmente apresentado pelo violoncelo solo, sendo que os outros instrumentos entram aos poucos, até completar efetivo orquestral. Todas as seções estão organizadas como variações sobre este baixo inicial, como é típico na chacona e na passacalha. A sonoridade da orquestra é elaborada em vários níveis, desde a divisão tradicional em naipes e o uso de partes individuais, até uma seção em que cada instrumento é tratado como solista.
A música ainda contém alusões a diferentes estilos, tais como a música barroca, a música popular e a música minimalista. Próximo ao final da peça, há referência a uma melodia cigana, como uma música distante apresentada como homenagem a Krzysztof Wiernicki (pesquisador da música e costumes do Leste europeu, com atenção especial às manifestações da cultura cigana), a quem a peça é dedicada.
Este CD bem que poderia se chamar "A Música de Porto Alegre - Erudito II", pois tem uma proposta muito parecida com o Erudito I, infelizmente sem continuação: repertório camerístico de compositores portoalegrenses. Se o primeiro continha peças escritas até aproximadamente 1935, aqui temos repertório pianístico que vai de 1950 até o final do século. Se o outro havia parado na geração de Luiz Cosme, Radamés Gnattali, aqui começamos pelo finalzinho dela, com obras já do último quarto da produção do Armando (os Sonhos) e já entramos na geração seguinte, do Bruno Kiefer e do Paulo Guedes, aqui representada por Terra Selvagem. Essa peça foi dedicada à esposa de Bruno, Nídia Kiefer, fundadora do Projeto Prelúdio, que foi onde eu li meus primeiros compassos de música. Curiosamente, os prelúdios que dão nome ao CD, de autoria de Fernando Mattos, também são dedicados à Nídia (vide texto abaixo). Seguimos a jornada com compositores mais recentes todos vivos e atuantes, terminando com o Estudo Paulistano de Celso Loureiro Chaves (recomendo vivamente a leitura do artigo do Celso que está disponível nos anais do congresso da ANPOMM de 2003 que aborda o processo composicional dessa peça para piano mão esquerda). Economizo meu 'tagarelismo' e deixo os comentários às peças ao professor Celso, que escreveu o texto constante do encarte. Agradeço à Luciane Cardassi, primeiro por esse projeto que ora postamos, e depois pelo efusivo apoio à disponibilização do material. Junto com o Erudito I, garanto ser esse disco uma mais que digna introdução ao mosaico musical dessa cidade.
(recomendo abri-lo no slideshare para melhor vizualização. Todo modo, está em alta qualidade no arquivo acima)
Fernando Mattos sobre Prelúdios em Porto Alegre
Surgiu do convite do amigo compositor James Corrêa para escrevermos uma série de peças sobre a cidade de Porto Alegre; o própriosJames escreveu um Retrato Cubista para a Cidade de Porto Alegre, para violino e piano (registrado em CD da Eldorado com Cármelo de los Santos e Catarina Domenici) e eu escrevi os Prelúdios em Porto Alegre (registrado em CD pela pianista Luciane Cardassi). A idéia original era de retomar o sentido do termo ‘prelúdio’ como a primeira etapa para a realização de alguma coisa, nesse caso a música. A peça foi dedicada à professora Nídia Kiefer, criadora e coordenadora do Projeto Prelúdio, uma escola de música para crianças e jovensda Pro-Reitoria de Extensão da UFRGS, onde eu trabalhava como professor de Violão e Teoria Musical, na época. Assim, cada peça foi concebida como o prenúncio de um encontro entre dois músicos internacionalmente conhecidos na cidade de Porto Alegre. O Prelúdio nº 1 inicia como uma abertura solene de ópera à moda francesa do século XVII, como era comum na corte de Luis XIV, nas óperas tocadas pela sua orquestra ‘Os Vinte e Quatro Violinos do Rei’, comandada pelo italiano alla francesaJean-Baptiste Lully – é como se Lully tivesse encontrado em uma caminhada pelas ruas de Porto Alegre um compositor de ópera contemporâneo, como Philip Glass, e ambos começassem a discutir os valores mais importantes da música dramática segundo os moldes aristotélicos; o Prelúdio nº 2 seria o indício do encontro entre Johann Sebastian Bach e Chick Correa, em que um improvisaria algo virtuosístico para o outro, na tentativa de fazê-lo reagir à sua própria música – tem-se, desta forma, o contraponto imitativo tão caro ao mestre barroco e os ritmos irregulares característicos do músico de jazz; oPrelúdio nº 3 se caracteriza por uma dúvida: como seria um concerto de Keith Jarret tocando os prelúdios de Shostakovich no Theatro São Pedro? É escutar para saber; o Prelúdio nº 4 é um retrato sonoro do encontro entre Ludwig van Beethoven e Béla Bartók em meio a uma tempestade subtropical à beira do lago Guaíba, em que os ritmos assimétricos e a utilização do piano como instrumento percussivo, próprios da técnica compositiva de Bartók, se espelham nos trinados transfigurados em elemento tímbrico, como é comum em várias peças do mestre alemão para piano –um toque latino-americano se encontra na divisão ‘3+3+2’ da métrica 8/8, a partir do compasso nº 26, é interessante notar como esse ritmo também é comum na música folclórica do leste europeu (a terra de Bartók onde Haydn, o mestre de Beethoven, viveu e seu discípulo jamais pisou); o Prelúdio nº 5 é uma referência ao quarto prelúdio de Frédéric Chopin, porém com a quebra da quadratura do número 4 (lembre-se que o quadrado é considerado como a figura geométrica perfeita fechada em si mesma desde Pitágoras) pela irregularidade e assimetria necessárias do número 5: o prelúdio chopiniano concebido em Porto Alegre é o de número cinco (em vez de ‘quatro’, como o prelúdio de Chopin) e se desdobra em compasso de cinco tempos (em vez de quatro, como no prelúdio de Chopin), mesmo a introdução em compasso de seis tempos se manifesta com apenas cinco ataques, sendo que o sexto tempo é somente uma projeção sonora da díade atacada no quinto tempo e, naturalmente, a nota melódica principal (fá) se encontra na quinta superior da nota melódica principal (si) do prelúdio de Chopin – não a quinta justa (que seria perfeita, quadrada e fechada em si mesma), mas a quinta diminuta (mais adequada, neste caso); oPrelúdio nº 6 é, na verdade, um estudo em oitavas à moda de Franz Liszt ou de Frédéric Chopin, como se os dois mestres do piano do século XIX se encontrassem em uma tarde ensolarada de inverno em Porto Alegre e cada qual pretendesse demonstrar seu pianismo para o outro através de um estudo de virtuosidade.
Nunca fui mto fã de harpa e nem conheço muito o repertório,porém esse concerto é brilhante.Infelizmente no período em que ele foi composto não teve a reputação que se esperava,já que no mesmo período o compositor argentino A.Ginastera também lançou um concerto para harpa e que na época foi estonteante.Mesmo assim eu prefiro o do Villa. Neste post tem duas versões do concerto,bom proveito! Download PS:informações adicionais no próprio arquivo
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