Uma sétima maior ascendente, dois semitons e uma terça menor descendente: esses intervalos sucessivos, agrupados, adquirem individualidade. Tocados pelo sopro da criatividade, são o centro gerador do Concerto nº 5. Seu momento maior está no segundo movimento, onde reina absoluto, e de onde esparge sua força para toda a composição. E ele que, sob acordes vigorosos, inicia o primeiro movimento, 'Improvisando, na orquestra, funcionando como introdução para a entrada do piano numa breve cadência. Novamente o tema aparece, nos trombones, trompas e trompetes, agora em imponente cânone a três partes em quinta superior. Contrastante, a nova entrada do piano, em estilo de improvisação elaborada, tem o tema em segundo plano, vivenciando sua versatilidade. No desenvolvimento, piano e orquestra se completam em discursos que valorizam uma rítmica animada. Sobre a atmosfera geral, paira a onipresença do tema. Guarnieri exerce sua infinita capacidade de desenvolver. A imaginação encontra a força de cada fragmento, a minúcia reina com a grandeza do todo, a integridade está no relevo de cada partícula. Tudo é essencial nesse complexo orgânico.
A reexposição traz de volta a introdução, agora entregue ao solista. O discurso seguinte, ainda ao piano, é feito sob seu próprio desenho melódico invertido, com o tema em contraponto na orquestra. Triunfante, o tema se faz ouvir ainda duas vezes ao piano, contrastando ritmicamente pela orquestra. A dinâmica se esmaece em frases sussurrantes que terminam abruptamente num extenso e rapidíssimo arpejado descendente do piano, como se uma cortina caísse pensadamente sobre tudo que passou.
Agora, uma ponte leva ao paraíso. Em surdina, violinos e violas fazem repetidamente o tema em cânone, até todos se encontrarem num acorde prolongado por nove compassos e transformado em uníssono. 'Sideral' é a atmosfera. Violinos e violas, num pedal harmônico superior em dinâmica ppp, são a perfeita transfiguração sonora do espaço incomensurável. Criado o clima, o tema se faz ouvir ao piano. No início, apenas a linha melódica sobre poucas notas essenciais. Um pouco adiante, a orquestra é incorporada, no mesmo espírito. A música atinge o sublime e descobre o mistério da beleza. Nessa aura, o texto prossegue até que, inesperadamente, dois relâmpagos cortam o ar que se tornou ameaçador. A turbulência desaparece tão repentinamente como começou, e o tema retorna no corninglês, depois na flauta com o piano dialogando em fala de extrema suavidade, exprimindo-se em doces dissonâncias, aqui superlativamente expressivas. Nova transformação se dá, e as cores se tornam cada vez mais carregadas, mas não agressivas. Com a volta do pedal harmônico nos violinos e violas, seguido do tema no piano, ocorre a reexposição, onde o tema, após reapresentado em clima semelhante ao do início do movimento, aparece pela última vez no oboé contrapontado por comentário de inspiração requintada no piano. Na coda, sobre notas prolongadas nas trompas, o piano faz suas despedidas do sonho em melancólica resignação.
No terceiro movimento, 'Jocoso, como se repetisse o processo da criação, o sopro criador desce dos corpos celestes à terra e chega ao homem. Agogô, pandeiro e caixa clara dão o colorido ao primitivismo necessário para essa volta, depois da estada em altos espaços. E o tema sublime torna-se início e impulso de um outro, brejeiro e brasileiro. Apresentado pela orquestra e depois pelo piano, ele percorre um cromatismo peculiar dentro de um gingado espirituoso. O segundo tema mantém vínculos com a terra mãe, planetária e geográfica, num sofisticado samba que conserva o espírito jocoso do primeiro, e dele se distancia por sua essência percutida. Algo da atmosfera rarefeita do segundo movimento volta no terceiro tema, de concepção serial. O piano descreve desenhos ascendentes e descendentes de oitavas aumentadas. À primeira nota de cada duas, junta-se um semitom nas flautas, clarinetas e nos fagotes, com as violas em trêmulo em ponticello. Os timbres assim associados ressaltam mais uma vez a expressividade da dissonância guarnieriana na dinâmica p, mais uma vez criando um clima de vagueza e indefinição. O contraste desse tema com os demais, surgindo sem preparação, é um alto momento musical: ele aparece duas vezes mais em forma de variação. Voltam o segundo e o primeiro temas na reexposição e, de maneira grandiosa, o tema gerador da obra. Chegamos à coda, onde depois de dialogar com brilhantismo, todas as vozes se juntam para celebrar a suprema glória de uma sétima maior ascendente, dois semitons e uma terça menor descendente.
A reexposição traz de volta a introdução, agora entregue ao solista. O discurso seguinte, ainda ao piano, é feito sob seu próprio desenho melódico invertido, com o tema em contraponto na orquestra. Triunfante, o tema se faz ouvir ainda duas vezes ao piano, contrastando ritmicamente pela orquestra. A dinâmica se esmaece em frases sussurrantes que terminam abruptamente num extenso e rapidíssimo arpejado descendente do piano, como se uma cortina caísse pensadamente sobre tudo que passou.
Agora, uma ponte leva ao paraíso. Em surdina, violinos e violas fazem repetidamente o tema em cânone, até todos se encontrarem num acorde prolongado por nove compassos e transformado em uníssono. 'Sideral' é a atmosfera. Violinos e violas, num pedal harmônico superior em dinâmica ppp, são a perfeita transfiguração sonora do espaço incomensurável. Criado o clima, o tema se faz ouvir ao piano. No início, apenas a linha melódica sobre poucas notas essenciais. Um pouco adiante, a orquestra é incorporada, no mesmo espírito. A música atinge o sublime e descobre o mistério da beleza. Nessa aura, o texto prossegue até que, inesperadamente, dois relâmpagos cortam o ar que se tornou ameaçador. A turbulência desaparece tão repentinamente como começou, e o tema retorna no corninglês, depois na flauta com o piano dialogando em fala de extrema suavidade, exprimindo-se em doces dissonâncias, aqui superlativamente expressivas. Nova transformação se dá, e as cores se tornam cada vez mais carregadas, mas não agressivas. Com a volta do pedal harmônico nos violinos e violas, seguido do tema no piano, ocorre a reexposição, onde o tema, após reapresentado em clima semelhante ao do início do movimento, aparece pela última vez no oboé contrapontado por comentário de inspiração requintada no piano. Na coda, sobre notas prolongadas nas trompas, o piano faz suas despedidas do sonho em melancólica resignação.
No terceiro movimento, 'Jocoso, como se repetisse o processo da criação, o sopro criador desce dos corpos celestes à terra e chega ao homem. Agogô, pandeiro e caixa clara dão o colorido ao primitivismo necessário para essa volta, depois da estada em altos espaços. E o tema sublime torna-se início e impulso de um outro, brejeiro e brasileiro. Apresentado pela orquestra e depois pelo piano, ele percorre um cromatismo peculiar dentro de um gingado espirituoso. O segundo tema mantém vínculos com a terra mãe, planetária e geográfica, num sofisticado samba que conserva o espírito jocoso do primeiro, e dele se distancia por sua essência percutida. Algo da atmosfera rarefeita do segundo movimento volta no terceiro tema, de concepção serial. O piano descreve desenhos ascendentes e descendentes de oitavas aumentadas. À primeira nota de cada duas, junta-se um semitom nas flautas, clarinetas e nos fagotes, com as violas em trêmulo em ponticello. Os timbres assim associados ressaltam mais uma vez a expressividade da dissonância guarnieriana na dinâmica p, mais uma vez criando um clima de vagueza e indefinição. O contraste desse tema com os demais, surgindo sem preparação, é um alto momento musical: ele aparece duas vezes mais em forma de variação. Voltam o segundo e o primeiro temas na reexposição e, de maneira grandiosa, o tema gerador da obra. Chegamos à coda, onde depois de dialogar com brilhantismo, todas as vozes se juntam para celebrar a suprema glória de uma sétima maior ascendente, dois semitons e uma terça menor descendente.
Laís de Souza Brasil
Concerto nº5 (1970) para piano e orquestra
I. Improvisando
II. Sideral
III. Jocoso
Laís de Souza Brasil, piano
Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo
Camargo Guarnieri, regente
Gravado ao vivo em vídeo e áudio no Teatro Municipal de São Paulo, em 22/10/10972
FUN 003M/95, 1995
Funarte
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